“Fazer da mente uma aliada” – Prefácio

de Sakyong Mipham

Prefácio

Muitas pessoas que encontro ao ensinar pelo mundo perguntam o que significa estar contente e feliz. Muitos sentem que de alguma maneira nos afastamos de nossas raízes, de algo fundamental a nosso coração e a nossa mente. São muitas as ramificações desse afastamento, e manifestam-se como dor psicológica, atos agressivos e uma persistente confusão sobre a natureza da realidade. Para muitos de nós, a vida não está conduzindo ao despertar. Na tradição budista de Shambhala, chamamos essa situação de “idade das trevas”.

É nessas ocasiões que nos voltamos para os ensinamentos espirituais. Tentamos encontrar algo que nos auxilie. Mas seguir um caminho espiritual não é apenas uma maneira de lidar com tempos difíceis. Seguir um caminho espiritual é despertar para nosso único e precioso potencial como seres humanos. Pode ser um modo de vida natural, válido para todas as situações, não somente uma maneira de nos sentirmos melhor. Todos têm dentro de si sementes que gostariam de nutrir, razão pela qual anseiam por um sentido mais profundo para a vida.

Quando ensino, as pessoas muitas vezes fazem perguntas na esperança de ouvir alguma verdade esotérica. Parecem querer que eu lhes conte um segredo. Mas o segredo mais básico que conheço está enraizado em algo que já possuímos — a bondade fundamental. Apesar da extrema miséria e da crueldade que presenciamos em todo o mundo, o fundamento de tudo é completamente puro e bom. Nosso coração e nossa mente são inerentemente despertos. Essa bondade fundamental é uma qualidade de total sanidade. Inclui tudo. Mas, antes de começarmos a aventura de nos transformar em pessoas despertas — ou pelo menos a aventura de viver a vida com alegria e felicidade verdadeiras —, precisamos descobrir por conta própria esse segredo. Então teremos a real possibilidade de cultivar a coragem, e com ela poderemos irradiar amor e compaixão pelos outros.

Meu pai, Chögyam Trungpa — que também foi meu professor —, foi um pioneiro na introdução do budismo tibetano no Ocidente. Ele também apresentou os ensinamentos de Shambhala, uma lendária sociedade iluminada. O primeiro rei de Shambhala recebeu ensinamentos diretamente do Buda. Diz-se que todos no reino de Shambhala começaram então a praticar meditação e passaram a cuidar-se uns dos outros, gerando amor e compaixão. Shambhala tornou-se um lugar pacífico e próspero, onde governantes e súditos eram igualmente sábios e bondosos.

Ninguém sabe realmente se o reino de Shambhala ainda existe. No entanto, se pensarmos nele como a raiz da qualidade desperta e da sanidade brilhante que vive dentro de cada um de nós, ele ainda terá a capacidade de nos elevar, como indivíduos e como uma sociedade. Para chegarmos a esse reino, temos de descobrir a bondade fundamental. Poderemos depois cultivar o amor e a compaixão. O primeiro passo é treinar a mente com a meditação. Para enfrentar os rigores da vida, a mente treinada na meditação é uma maravilhosa aliada.

Sakyong Mipham, Fazer da mente uma aliada: como descobrir a força natural da mente
através da meditação. Tradução de Oddone Marsiaj. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2005. ISBN 85-7665-113-0